
Águas
de Março
TOM JOBIM
É pau, é pedra, é o fim do caminhoÉ um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumueira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto
É um pingo pingando, é uma conta, é um conto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão,
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
Pau, pedra, fim, caminho
Resto, toco, pouco, sozinho
Caco, vidro, vida, sol, noite, morte, laço, anzol
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração.

Matita Pereira é uma mulher velha e/ou é também um passarinho.
O que se tem certeza é de que Matita é capaz de um assobio único e de que, durante a
noite, virá assombrar aqueles que a maltratarem durante o dia. Matita não se
mostra facilmente, mas todos sentem seu sobrevoo e ouvem seu assobio encantador
– quem a conhece diz que voa lindo como o andar de uma mulher serena -. Matita
gosta de tabaco. Quem quiser conhecê-la é só gritar ‘vem buscar tabaco’, e logo
alguém aparecerá para pedir o tabaco prometido. Aquele que não der o tabaco
imediatamente para quem vem buscar não terá mais paz, pois todos virão pedir
tabaco à sua porta, seja dia seja noite. Dizem também que Matita pressente a
morte e, então, flutua pela floresta assobiando ‘quem quer? Quem quer?’; aquele
que responder ‘eu quero’, ganhará a morte da Matita e ela seguirá seu caminho
até outro pressentimento.
p.s 1 – não resisto e vou dizer uma coisa: para mim, é o
melhor disco da MPB
p.s 2 - adaptação
livre e pessoal da lenda da Matita Pereira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário