
“Além disso, o rúgbi e o futebol
americano não são ‘jogos de circulação de bola’, mas, ao contrário, jogos em que
o essencial é o combate físico entre homens pelo domínio territorial. A bola
não é circular, mas ovóide, bicuda como um míssil apto a ser lançado à
distância, além de ser carregada aos trancos, sem deslizar pelo chão. Abrindo mão
de sua esfericidade, ela não tem vida própria e se resume num ‘catalisador da
luta’ pelo território, um ‘pretexto para se bater’ visando a progressão
parcelada sobre o terreno, através da dominação física do oponente até a
destruição simbólica de sua posição. Também, nesse sentido, é uma formulação
oposta à do futebol, onde a bola esférica – que não é boba – tem autonomia,
personalidade, idiossincrasias, segredos a contar e a esconder. No poema ‘O
futebol brasileiro evocado da Europa’ de João Cabral de Melo Neto, diz-se, bem
a propósito, que a bola ‘é um utensílio semivivo/ de reações próprias como
bicho,/ e que , como bicho, é mister[...]/ usar com malícia e atenção/ dando
aos pés astúcias de mão’. Tais propriedades são, de fato, potencializadas no
futebol brasileiro, que , em suas formas mais livres e impulsivas, pode-se
dizer que inverte, no limite, a fórmula do rúgbi e do futebol americano, fazendo
da bola não um pretexto para o combate, mas do jogo um pretexto para a posse da
bola – esta emergindo tantas vezes, com suas disposições e veleidades, para a
condição de estrela do jogo. Aliás, no momento do gol quem fulgura aos nossos
olhos é ela, estufando ou acariciando a rede, enquanto que no touchdown do futebol americano o astro é
o jogador na corrida, que se mostrou capaz, levando a termo o trabalho de
equipe, de se desvencilhar da massa dos obstáculos portando a bola entre os
braçso (ou de apará-la na zona crucial, quando lançada).”
In Veneno Remédio, O futebol e o
Brasil, José Miguel Wisnik, Companhia das Letras, SP, 2008.

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