Trazidas pela luz do sol, vidas
extraordinárias visitavam-me. Certo dia chegou um rapazinho louro de ombros
largos e pernas de aço, redondas como as rodas de uma bicicleta. Ele me
carregou para o universo dele, onde todos tinham pernas redondas e viviam
girando, girando, girando. Lá o sol era azul e luas diversas mudavam, a cada
dia, a cor da noite.
Em seguida, lembrei-me da música dos dias
chuvosos quando a água, fustigando a janela, trazia-me outros universos; agora,
infinitos universos musicais. Ouvi todas as melodias que a chuva sabe compor
quando encontra os vidros de uma janela; as raivosas ou simplesmente enérgicas,
as melancólicas e as românticas, e ouvi também as eternas sinfonias que podiam
durar uma noite inteira.
Lembrei-me ainda dos pequenos poetas que cantavam
sempre; seres pequeninos, mínimos, quase invisíveis, que eu entrevia entre as
folhas da árvore que alcançava a janela; eles chegavam ao fim da tarde para
esperarem comigo pelo meu pai.
E, então, revi os pequenos olhos do meu pai
que, todo dia, final da tarde, chegava cansado sem querer mostrar cansaço;
trazia sucos muito doces que eu não queria, não gostava e recusava
terminantemente enquanto ele pedia perdão com aqueles irrequietos olhos negros.
Eu não sabia por que ele pedia perdão, mas não perdoava.
Ele pediu perdão todos os dias, sem
descanso nem desânimo, até que eu me sentisse poderosa e rainha, escrava somente
da vida, convencida de que o amor dele era muito maior do que a minha dor
paralisante, e que ele era mais forte do que todos os gigantes de branco que me
espetavam, diariamente, várias vezes.
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