Durante este mês publicaremos em capítulos diários o primeiro conto de uma série que foi produzida durante o trabalho de pesquisa 'LEITURA E ESCRITA'. Passamos assim a outra etapa desse mesmo trabalho.
QUER VER? ESCUTA.
Magda Maria Campos Pinto
Eu disse que queria calar-me para sempre. Foi
o caos. Descarados, os dois gargalharam ao mesmo tempo e começaram a dizer
coisas completamente incompreensíveis, falando uma língua inexistente, ou
melhor, uma língua que eu não compreendia.
A bem da verdade pode ser que aquela língua
existisse, mas eu a desconhecia e eles a falavam fluentemente rindo com
tranquila alegria. Era o cúmulo do abuso.
Talvez não, talvez não fosse bem assim, provavelmente
era apenas o meu íntimo debate, a minha irritante e permanente angústia,
enquanto eles brincavam como crianças felizes; provavelmente era minha alma macia
se revelando e eu ainda querendo esconder-me. Provavelmente.
Você tem alma de palhaço, de andarilho, de
atriz... Precisa arrumar um circo, eu ouvi, naquele mesmo instante, eu ouvi meu
pai falando ao meu ouvido, quase um sussurro, dissimulando o conselho inusitado,
tropeçando como quem conta um segredo ou como quem, humildemente, confessa um
pecado. E ouvi também, quando depois, muitos anos depois, sabendo que estava
para morrer, preocupado não com a sua, mas com a minha morte, ou melhor, com a
vida que se deveria viver sem ele... E ele se perguntou como eu iria manter
minha ingenuidade pura – de que gostávamos tanto e sustentávamos com discreto
orgulho -; perguntou-se como eu preservaria o gosto de inventar modas, modas do
mundo da lua, dizia ele; e advertia-me de que o mundo não gosta de ingenuidades
nem de luas, que é um perigoso disparate ter alma branda, e mais ainda, preocupava-se
muito com a minha vida fora da vida, pois sabia que eu vivia também outra vida,
uma vida ávida do realmente importante e então...

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